Posted on
Bolsonaro e Trump sentados em sala da Casa Branca
Bolsonaro e Trump em foto de março; os dois conversaram novamente por telefone nesta sexta-feira (20), onde o americano avisou que desistiu de sobretaxação

FOTO BRENDAN SMIALOWSKI/AFP

Depois de causar mal-estar no governo brasileiro ao anunciar via Twitter que iria impor tarifas sobre o aço e alumínio do Brasil, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou atrás na medida — mas dessa vez, sem anunciar o recuo em suas redes sociais.

Dezoito dias após acusar o país de desvalorizar propositalmente o câmbio para obter vantagens desleais no comércio internacional — “algo ruim para os nossos fazendeiros”, conforme escreveu — e dizer que as novas tarifas seriam aplicadas com efeito “imediato”, o presidente americano conversou com o colega brasileiro, o presidente Jair Bolsonaro. No diálogo por telefone na tarde desta sexta-feira (20), o americano garantiu que as tarifas não serão impostas.

Na sequência, postou em sua rede social uma mensagem encarada pela gestão Bolsonaro como um desagravo: “Acabo de ter uma ótima conversa com o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Discutimos muitos assuntos de comércio. A relação entre Estados Unidos e Brasil nunca foi tão forte”.

Tarifas eram para o público interno

Na prática, no entanto, as novas tarifas de Trump jamais entraram em vigor. Embora o anúncio nas redes sociais tenha sido feito há mais de duas semanas, o decreto que regulamentaria as barreiras tarifárias nunca foi publicado pelo órgão responsável pelas relações comerciais americanas, o USTR.

Naquele momento, não apenas autoridades brasileiras, mas funcionários da gestão Trump demonstraram perplexidade com a medida anunciada pelo republicano, que não havia sido previamente discutida com o Departamento de Estado ou com o de comércio.

O gesto foi entendido como um aceno aos agricultores americanos, eleitorado cativo de Trump que acabou fortemente castigado pela guerra comercial com a China. Este grupo ameaça abandonar Trump em sua tentativa de se reeleger daqui a menos de um ano, em 2020.

Apoiadores de Trump em fila durante evento, com bandeira dos EUA no plano de fundo
Anúncio de taxação foi entendido como um aceno aos agricultores americanos, eleitorado cativo de Trump

Direito de REUTERS/LEAH MILLIS

Mas, se teve algum efeito positivo para o público interno, a mensagem do americano caiu mal para as relações bilaterais de Brasil e Estados Unidos, menos por conta do fluxo comercial de minérios entre as nações, e mais pela mensagem de desprestígio enviada publicamente a Bolsonaro.

Em uma transmissão ao vivo de Facebook nesta sexta-feira em que anunciou ter tido a conversa de 15 minutos com Trump, Bolsonaro deixou clara a relevância do tópico para sua gestão. Ladeado pelo chanceler Ernesto Araújo e pelo assessor especial da presidência para política internacional Filipe Martins, Bolsonaro disse: “A notícia que quero dar aqui em primeira mão é muito mais importante do que ela em si, que tem um caráter econômico. Desde as prévias conheci o Sr. Trump, que disputava a eleição nos Estados Unidos e passei a ser fã dele, passei a ser seu seguidor”.

Na transmissão de cerca de 4 minutos, o presidente reafirma que “os americanos são grandes parceiros nossos”. A primazia dos Estados Unidos é um dos pilares da política internacional brasileira na atual gestão.

Duas semanas para desfazer o mal-estar

Embora no dia do anúncio das medidas do republicano, em 2 de dezembro, Bolsonaro tenha dito que “se for o caso, ligo para o Trump”, nas últimas duas semanas, autoridades brasileiras em Washington e em Brasília promoveram uma intensa rodada de conversas com diversos órgãos americanos para desfazer o problema.

Além da Casa Branca e do Departamento de Estado, emissários brasileiros conversaram com senadores próximos a Trump, como Ted Cruz, do Texas; Rick Scott, da Flórida; e Tom Cotton, do Arkansas.

Nas conversas, representantes do Brasil explicaram que a desvalorização do Real decorre do sistema de câmbio flutuante adotado pelo país e que o Banco Central tem, nas últimas semanas, vendido reservas para tentar conter a alta do dólar — e não estimular o movimento contrário.

Deixou claro ainda que o aço importado do Brasil é matéria-prima para a indústria americana e que as tarifas atrapalhariam a produção nacional nos EUA. Além disso, para produzir as chapas de aço, a indústria brasileira compra carvão americano. Logo, as barreiras prejudicariam toda uma cadeia de negócios entre os dois países.

Por fim, as autoridades brasileiras relembraram o esforço brasileiro para melhorar a relação entre os dois países — como a suspensão de vistos para americanos; o aumento da cota de importação de etanol e trigo; e o acordo de cooperação tecnológica da base espacial de Alcântara (MA) — e defenderam ser beneficiários ocasionais da disputa entre China e Estados Unidos.

Desde o início da guerra comercial, a China impôs barreiras altas aos produtos agrícolas americanos e, como resultado, os produtos brasileiros, especialmente soja e carne, levaram vantagem no mercado chinês. Já os fazendeiros americanos têm dependido de uma ajuda bilionária do governo americano para conter uma falência em massa. Mais de 15% dos fazendeiros do país já foram à bancarrota.

Há uma semana, no entanto, Trump e Xi Jinping, mandatário da China, anunciaram um primeiro acordo comercial entre os países, no qual os chineses se comprometeram a retomar a compra de produtos agrícolas americanos. Isso aliviou a tensão entre Trump e os eleitores do meio rural e abriu a possibilidade para que ele desfizesse o gesto de taxar o Brasil em suposto benefício aos fazendeiros.

Procurada pela BBC News Brasil, a Casa Branca preferiu não comentar, e Trump optou por não alardear seu recuo. Coube ao Brasil anunciar que as tarifas foram suspensas.

Com as informações da BBC Brasil

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *