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Artilharia armênia posicionada perto da fronteira de Nagorno-Karabakh, em foto de abril de 2016 — Foto: Reuters/Arquivo

Artilharia armênia posicionada perto da fronteira de Nagorno-Karabakh, em foto de abril de 2016 — Foto: Reuters/Arquivo

A tensão voltou ao Cáucaso no domingo (27) após novos confrontos entre forças da Armênia e do Azerbaijão na região fronteiriça de Nagorno-Karabakh.

Com a escalada militar, os dois países declararam lei marcial — ou seja, ambos os governos preparam as populações para uma possível guerra. No balanço feito nesta segunda-feira (28), estima-se que mais de 50 pessoas tenham morrido, incluindo sete civis.

Não está claro qual movimento foi o estopim para essa nova rodada de confrontos. O que se sabe é que Armênia e Azerbaijão vivem disputas territoriais mais antigas do que a criação da União Soviética, em 1922 — a URSS incorporou o território dos dois países nos quase 70 anos de existência.

Ministério das Relações Exteriores da Armênia divulga foto do que seria um civil ferido em Nagorno-Karabakh durante confrontos com Azerbaijão neste domingo (27) — Foto: Ministério das Relações Exteriores da Armênia/Handout via Reuters

Ministério das Relações Exteriores da Armênia divulga foto do que seria um civil ferido em Nagorno-Karabakh durante confrontos com Azerbaijão neste domingo (27) — Foto: Ministério das Relações Exteriores da Armênia/Handout via Reuters

A maior dessas disputas envolve a autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, também conhecida como Artsakh. A região abriga quase 150 mil pessoas em um território encravado nas fronteiras do Azerbaijão. Dessa população, segundo dados apresentados pelo governo armênio, 95% têm origem armênia.

De um lado, armênios argumentam que são a maioria étnica e, por autodeterminação dos povos, têm direito ao controle de Nagorno-Karabakh. Do outro, os azeris entendem que também têm aquela região como parte do território histórico do Azerbaijão.

Mapa República de Nagorno-Karabakh — Foto: Alexandre Mauro/G1

Mapa República de Nagorno-Karabakh — Foto: Alexandre Mauro/G1

Entenda mais sobre as disputas entre Armênia e Azerbaijão por Nagorno-Karabakh abaixo.

Origens e conflitos

Monumento 'Nós Somos Nossas Montanhas', em Stepanakert (Khankendi), capital da autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, não reconhecida pelo Brasil — Foto: Grandma and Grandpa by David Stanley / CC BY

Monumento ‘Nós Somos Nossas Montanhas’, em Stepanakert (Khankendi), capital da autodeclarada República de Nagorno-Karabakh, não reconhecida pelo Brasil — Foto: Grandma and Grandpa by David Stanley / CC BY

A região onde hoje fica Nagorno-Karabakh era povoada tanto por armênios, majoritariamente cristãos, quanto azeris, que na maioria seguem o Islã. Embora o Império Russo no século XIX e no início do século XX tenha conseguido conter tensões étnicas no Cáucaso, não raro os dois grupos entravam em confronto.

Com a Revolução Russa de 1917 e a subsequente formação da União Soviética em 1922, o território por onde se estendiam os domínios de Moscou foram divididos em repúblicas e regiões autônomas. E, embora os armênios fossem maioria em Nagorno-Karabakh, o governo soviético decidiu, ainda nos anos 1920, incluir o território dentro das fronteiras da então República Socialista Soviética do Azerbaijão.

Em entrevista concedida ao G1, o professor Jeffrey Eden, ex-pesquisador na Universidade Harvard e atualmente na St. Mary’s College of Maryland (EUA), explicou que o controle bastante centralizado da União Soviética em Moscou evitou a eclosão de movimentos separatistas. Mesmo assim, os sentimentos nacionalistas permaneceram.

“Muita gente no Azerbaijão enxerga Nagorno-Karabakh como parte histórica da pátria azeri – assim como vários armênios veem da mesma forma”, ilustrou Eden.

Guerra nos últimos anos de URSS

Bandeiras da Armênia e da República de Nagorno-Karabakh – não reconhecida pelo Brasil — Foto: Border Flags by David Stanley / CC BY

Bandeiras da Armênia e da República de Nagorno-Karabakh – não reconhecida pelo Brasil — Foto: Border Flags by David Stanley / CC BY

Em 1988, três anos antes da dissolução da União Soviética, eclodiu uma guerra entre azeris e armênios na disputa por Nagorno-KarabakhMais de 30 mil pessoas morreram, segundo estimativas.

Há diversas razões para o início dos confrontos, mas a menor interferência de Moscou em um período de reabertura capitaneada por Mikhail Gorbachev diminuiu a coesão imposta pelo governo central da URSS: os militares soviéticos não conseguiram conter os movimentos separatistas pró-Armênia em Nagorno-Karabakh, e a guerra começou.

O conflito só terminou em 1993, já depois da dissolução da União Soviética. Os confrontos tiveram fim com um cessar-fogo assinado no ano seguinte e mediado, principalmente, pela Rússia.

Ainda assim, em 2016, novos confrontos em Nagorno-Karabakh deixaram quatro mortos e reacenderam a tensão regional — acalmada desde o fim dos embates na década de 1990. E outros combates ocorridos em julho de 2020 mostraram que a paz mediada há quase 30 anos está em risco.

O que pode ter gerado os novos confrontos?

Imagem de vídeo cedido pelo Ministério da Defesa da Armênia mostra o que seria tanques e militares do Azerbaijão na região de Nagorno-Karabakh, neste domingo (27) — Foto: Ministério da Defesa da Armênia via Reuters

Imagem de vídeo cedido pelo Ministério da Defesa da Armênia mostra o que seria tanques e militares do Azerbaijão na região de Nagorno-Karabakh, neste domingo (27) — Foto: Ministério da Defesa da Armênia via Reuters

Armênia e Azerbaijão se acusam mutuamente de ter iniciado as ofensivas neste fim de semana. Porém, para o professor Jeffrey Eden, é mais provável que o estopim para os confrontos tenha começado do lado azeri. “A Armênia teria muito pouco a ganhar com isso”, analisou.

Eden apresenta seis pontos que podem ter levado à nova escalada dos confrontos:

  1. O governo do Azerbaijão vê o novo presidente dos armênios em Karabakh, Arayik Harutyunyan, como um líder agressivo e provocativo.
  2. O presidente azeri, Ilham Aliyev, percebeu uma deterioração das relações entre a Armênia e a Rússia, antes a maior aliada dos armênios. Porém, os russos também não têm a ganhar com o confronto (leia mais adiante sobre a repercussão global).
  3. Aliyev, inclusive, prometeu aos azeris maiores ganhos na questão Nagorno-Karabakh, mas não conseguiu. Com a crise econômica e a pandemia de Covid-19, um ataque poderia ser uma estratégia para ganhar apoio.
  4. Falta liderança ao Grupo de Minsk, criado para mediar os confrontos nos anos 1990. Os países integrantes não conseguem chegar a acordos.
  5. Os Estados Unidos, um mediador chave em situações como esta, estão envolvidos com eleições presidenciais internas e a pandemia. Há pouco espaço para mediar o tema.
  6. Do ponto de vista militar, lançar uma ofensiva antes do início do rigoroso inverno no Cáucaso pode fazer parte de uma estratégia.

“Nenhuma dessas seis razões, na minha visão, explica sozinha o conflito neste momento. Mas uma combinação delas pode ajudar a esclarecer a ofensiva neste tempo”, pondera Eden.

Repercussão global

Voluntários participam de recrutamento em Yerevan, capital da Armênia, neste domingo (27) após mobilização por confronto com Azerbaijão — Foto: Melik Baghdasaryan/Photolure via REUTERS

Voluntários participam de recrutamento em Yerevan, capital da Armênia, neste domingo (27) após mobilização por confronto com Azerbaijão — Foto: Melik Baghdasaryan/Photolure via REUTERS

A Rússia liderou na década de 1990, junto com os Estados Unidos e com a França, o chamado Grupo de Minsk, destinado a resolver as tensões em Nagorno-Karabakh. A aliança conseguiu negociar uma paz entre Armênia e Azerbaijão, mas as demandas não foram completamente atendidas.

Isso porque, de um lado, Nagorno-Karabakh continuou sob controle territorial do Azerbaijão, que concordou em conceder certa autonomia. Por isso, mesmo a Armênia reconhece formalmente o território como pertencente às fronteiras azeris. Do outro, o Azerbaijão acusa o Grupo de Minsk de favorecer os interesses armênios.

Os novos confrontos têm sido preocupantes porque, provocado, o governo da Armênia já admite discutir a independência de Nagorno-Karabakh, anunciou o primeiro-ministro Nikol Pashinian neste domingo.

Primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinian, durante encontro com lideranças militares neste domingo (27) — Foto: Governo da Armênia/Handout via Reuters

Primeiro-ministro da Armênia, Nikol Pashinian, durante encontro com lideranças militares neste domingo (27) — Foto: Governo da Armênia/Handout via Reuters

A Rússia, nesse cenário, prefere se manter como a fiadora da paz entre os dois países. Tanto que pediu, neste domingo, o fim da escalada de tensões e um novo cessar-fogo.

“A Rússia, há muito o mediador preferido pelos governos de Armênia e Azerbaijão, tem muito a ganhar ao manter laços econômicos e estratégicos fortes com os dois países. Dificilmente vai arriscar danificar essas relações tomando partido no conflito”, explicou o professor Jeffrey Eden.

Arayik Harutyunya, líder de Nagorno-Karabakh, durante coletiva de imprensa neste domingo (27) — Foto: Hayk Baghdasaryan/Photolure via Reuters

Arayik Harutyunya, líder de Nagorno-Karabakh, durante coletiva de imprensa neste domingo (27) — Foto: Hayk Baghdasaryan/Photolure via Reuters

Trata-se de um conflito, na verdade, que interessa a poucos atores geopolíticos globais. Tanto EUA quanto Irã, inimigos políticos entre si, pediram o fim dos confrontos entre armênios e azeris. O Papa Francisco também se somou aos pedidos de paz no Cáucaso.

Apenas a Turquia, porém, destoou da comunidade internacional e se posicionou do lado do Azerbaijão, país com quem guarda laços étnicos. “A Armênia está brincando com fogo e colocando a paz regional em risco”, disse um porta-voz do governo turco.

Para Jeffrey Eden, esse envolvimento turco poderia forçar a participação russa nos confrontos. “Este é o cenário mais assustador, e se a Turquia der um apoio militar sério ao Azerbaijão (um aliado importante), é possível que a Rússia se envolva no conflito”, afirmou.

Isso porque a Rússia tem obrigação de defender a Armênia contra invasões porque ambas fazem parte da Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO, na sigla em inglês), que inclui ex-repúblicas soviéticas — mas não o Azerbaijão. Mesmo assim, por diversos interesses, russos e azeris têm boas relações.

“A Rússia tem todas as razões para buscar uma resolução rápida para a crise. Porém, se a Turquia buscar a participação no confronto, a Rússia pode se forçada a tomar ações mais decisivas, que expandiriam esse conflito local como um problema global”, explicou.

Disputa chegou a municípios paulistas

Igreja na cidade de Shushi (Shusha), no território de Nagorno-Karabakh — Foto: Ghazanchetsots Cathedral, Shushi, Artsakh, Armenia by hovo hanragitakan / CC BY 2.0

Igreja na cidade de Shushi (Shusha), no território de Nagorno-Karabakh — Foto: Ghazanchetsots Cathedral, Shushi, Artsakh, Armenia by hovo hanragitakan / CC BY 2.0

Em 2019, reportagem do G1 mostrou que dois municípios do estado de São Paulo receberam alertas do Ministério das Relações Exteriores por se declararem cidades-irmãs de cidades em Nagorno-Karabakh — inclusive, mencionando o nome do território como se fosse independente.

  • Mairiporã – Stepanakert (ou Khankendi, na língua azeri ou azerbaijana);
  • Pilar do Sul – Shushi (ou Shusha, em azeri).

Ambas as leis que determinavam o irmanamento foram revogadas depois do alerta do Itamaraty. Segundo o ministério, o governo do Azerbaijão pediu explicações ao Brasil porque as duas leis municipais aprovadas mencionavam a “autodeclarada República de Nagorno-Karabakh”.

Em nota divulgada em janeiro de 2019, o Itamaraty informou que considera as iniciativas das cidades “bem intencionadas”. No entanto, segundo o ministério, os projetos “não favorecem a construção de ambiente propício para a solução do conflito”.

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