Um artigo do Embaixador Qais Shqair –Chefe da Missão da Liga dos Estados Árabes em Brasília.
As Forças Armadas israelitas anunciaram hoje o bombardeio de Gaza com quatro mil toneladas de explosivos desde sábado. O anúncio será muito provavelmente seguido de muitos outros nos próximos dias, à medida que o Governo israelita traduz a simpatia da opinião pública em certos países onde, para a maioria, conseguiu comercializar-se como vítima, ignorando décadas de ocupação ilegal contínua, confisco de terras pela força, e usando de cada vez mais violência. O referido anúncio de que mais derramamento de sangue está por vir é, de fato, um reflexo real do apoio dado à máquina militar israelita pelos mais poderosos países, sobretudo os EUA.
Parece que conquistar a opinião pública em todo o mundo é o objetivo final de Israel para preservar o status quo de estar acima da lei. É igualmente lamentável que as vítimas palestinas do confronto armado em curso sejam deliberadamente ignoradas por alguma cobertura mediática proeminente que faz vista grossa à destruição de áreas residenciais nas cabeças de civis inocentes. Qual é a mensagem ética transmitida nessa cobertura? É uma mentalidade colonial que dominava em diferentes partes do mundo há décadas? Será de alguma forma justificável que um divulgar notícias fabricadas sobre a decapitação de mulheres e crianças apenas para ganhar a simpatia da opinião pública e depois lançar mão de bombardeamento massivo num falso cenário de autodefesa? O Programa Mundial de Alimentos, a UNRWA, a UNESEF e a Human Rights Watch estão todos alertando sobre crimes contra a humanidade e crimes de guerra, após a decisão de Israel de cortar o acesso à água, eletricidade e combustível como punição coletiva à população em geral.
Tendo isto em mente, o que deve ser dito à opinião pública pelos meios de comunicação social deve reflectir os fatos no terreno. O fato é que o que estamos a testemunhar nas telas de televisão e em outros meios de comunicação social e na Internet não é um breve retrato de uma semana ou mais de violência. É antes uma série contínua de ocupação, confisco de terras, cerco e matança durante mais de 75 anos. Quem se atreve a justificar a ocupação? Qual é a lógica por detrás de manter 2,5 milhões de habitantes da Faixa de Gaza na prisão durante mais de 16 anos?
Ganhar a opinião pública em todos os lugares, juntamente com o seu respeito deve ocorrer por um caminho diferente; combatendo as causas profundas do contínuo derramamento de sangue, pondo fim à ocupação de terras pela força, implementando as resoluções da ONU. A solução de dois Estados tem sido o ápice da diplomacia brasileira há anos. Em 29 de novembro de 1947, o falecido ministro das Relações Exteriores do Brasil, Oswaldo Aranha, presidiu a sessão da Assembleia Geral da ONU que emitiu a sua resolução nº 181 pedindo dois estados na região da Palestina. A solução de dois Estados está em cima da mesa, aceita por 57 países, membros da Organização da Cooperação Islâmica (OIC), incluindo os 22 estados da Liga Árabe. Baseia-se na normalização total das relações com Israel em troca de uma paz abrangente. Infelizmente, Israel continua a desconsiderar os apelos persistentes da comunidade internacional para prosseguir com essa fórmula de paz.
Não é apenas a dor e miséria que devem ser apresentadas ao público, mas também a verdade. A verdade que nos guia à solução correta que acabará com o círculo vicioso de sangue, não apenas para ganhar simpatia do público.
12 de outubro de 2023.